Um papo sobre Eminem e a influência da mídia na subjetividade

Eu estava presente no Coachella desse ano, Eminem era um dos headliners. Assim como toda uma geração, sempre acompanhei seu trabalho, suas músicas e sua carreira. Estava no seu show no Lollapalooza, um dos melhores da minha vida, mas no Coachella entre tanto estresse de ficar até o final do show e ter que ficar presa no estacionamento do festival por pelo menos 4 horas, decidi ir embora mais cedo, logo na terceira música. Não me arrependi no dia seguinte ou no mês subsequente, até então os comentários eram que o show tinha sido péssimo, que o álbum novo (que eu escutei sem dar muita atenção no dia que foi lançado) era trash e como eu particularmente nem lembrava direito, não me posicionei, pelo contrário, usei como um dos argumentos para convencer as meninas a saírem mais cedo e abrirem mão do show.

“Você ouviu o novo álbum do Eminem?”;
“Não”;
“Pois o show vai ser basicamente sobre o novo álbum e você não conhece nenhuma das músicas”;
“Mas ele vai cantar algumas antigas”;
“Mas essas você já ouviu no Lolla, não vou ficar presa aqui de novo.”

 

Essa foi basicamente a discussão, claro que meus argumentos foram convincentes o suficiente, o que se falava na internet também me deu um certo alívio, ficaria irritada se tivesse perdido algo.

Mas perdi, por mais que “Revival” tenha sido tão criticado, não é como se eu realmente tivesse parado para ouvir ou pelo menos dado uma chance. Foram 2 meses de anúncio do novo álbum, a espera era excitante, fazia um tempo que não ouvíamos nada dele e por mais que o álbum tivesse tudo para ser aclamado, parcerias como Beyoncé, Ed Sheeran, Alicia Keys, Skylar Grey, Kehlani e P!nk, parece não ter sido suficiente.

Já “Kamikaze“, seu álbum surpresa lançado pouco mais de 6 meses depois, não só colocou o nome de Eminem no spotlight novamente, mas se tornou o #4 álbum mais vendido de 2018 até o momento, só “Scorpion” de Drake,  “Astroworld” de Travis Scott e “Beerbongs & Bentleys” de Post Malone venderam tanto nas primeiras semanas.

A diferença nas vendas foi significativa, para se ter ideia “Kamikaze” atingiu o topo com uma venda de 434 mil unidades, enquanto o precedente “Revival” atingiu a primeira posição com 267 mil unidades só em janeiro deste ano, sendo que o álbum foi lançado em dezembro.

Mas o que houve? O que não funcionou? A primeira aposta de Eminem foi muito pop? O que faltou?

Em sua mais recente entrevista, Eminem falou sobre os haters, a briga com Machine Gun Kelly e o release de “Kamikaze”, mas fora os temas que sempre atraem mais curiosos, como as intrigas do mundo pop, alguns pontos específicos me fizeram pensar e me chamaram muito a atenção.

Um deles, que desencadeou de alguma forma os outros, foi o que deu origem ao título deste artigo e é sobre a influência da mídia, e nesse caso não estou falando da televisão ou outro meio, estou falando especificamente da internet. Eu lembro que quando a mesma surgiu, nossa geração estava frustrada com os meios comuns e toda a alienação social que ocorria. Como membros de uma sociedade nos tornamos padronizados, perdendo – ainda que parcialmente – o senso crítico, a internet era a esperança.

Por mais que a internet seja uma plataforma incrível e devemos muito a ela, novamente estamos frustrados. Não que ela seja a culpada, na verdade as pessoas é que são. Por que ainda continuamos a escolher a alienação social? Por que ao invés de buscarmos conhecer algo para então ter uma opinião sincera sobre, apenas nos juntamos a opinião geral? Para sermos aceitos ou para não sermos discordados? Por que tanta gente com tanta coisa boa para acrescentar ao mundo se cala enquanto outras apenas cospem suas “verdades coletivas” que ouvem por aí e se acham no direito de atacar pessoas com ideias diferentes das suas?

Voltando ao Eminem, ele chocou o mundo pela maneira que lançou o álbum, ou seja, sem aviso prévio. Mas o que mais me chamou atenção foi o motivo pelo qual o fez.

“Porque eu sinto que a hora de reivindicar é agora, porque se você dá tempo suficiente para as pessoas pensarem muito, você dá tempo para as pessoas pensarem ‘man, é melhor você ter um som como esse… se você não tiver um som como esse… é melhor ele não cantar rap assim, nem sobre isso…’ e aí quando você vai ouvir o álbum, você pensa ‘isso vai ser um saco’ e mesmo que você não se sinta daquela maneira, você meio que já formou sua opinião na frente de todos os seus amigos enfim, você entende o que eu quero dizer? Por isso eu acredito que não dar nenhum aviso foi a melhor coisa a se fazer, pois não deu tempo suficiente para as pessoas, você sabe quando ‘Revival’ veio à tona, foi insuportável como as pessoas falavam ‘essa merda vai ser um lixo’ e ninguém queria estar realmente errado sobre isso, mas eles já tinham sua opinião formada, eu não estou falando que todo mundo realmente já tinha formado sua opinião, mas…”

Ele nem precisou concluir o raciocínio, ao ouvi-lo falar sobre o assunto, uma chavezinha virou e meu subconsciente começou a “pescar” todas as matérias que li, todos os comentários e as opiniões baseadas no álbum, antes mesmo do seu lançamento e naquele momento tudo fez sentido, tentei lembrar do momento em que ouvi o álbum, uma única vez no dia do lançamento, acelerando as tracks tentando achar algo que chamasse minha atenção, mas sem dar atenção suficiente e já com aquele pensamento automático, ‘isso nem vai ser tão bom, por que eu estou perdendo o meu tempo ouvindo?’. E eu fiquei envergonhada de mim mesma!

Isso foi muito injusto. A mídia online conseguiu se sobrepor a nossa individualidade, nossa personalidade é o que dá vida ao sujeito. A subjetividade é o mundo interno de todo e qualquer ser humano. Este mundo interno é composto por emoções, sentimentos e pensamentos. Somos influenciados pelo meio externo, é claro, mas somos indivíduos pensantes, que analisam a sua opinião ao que é dito (mundo interno) com o qual ele se relaciona com o mundo social (mundo externo), resultando tanto em marcas singulares na formação do indivíduo quanto na construção de crenças e valores compartilhados na dimensão cultural que vão constituir a experiência histórica e coletiva dos grupos e populações. Estamos sempre sendo condicionados à história, cultura, circunstâncias políticas e sociais, mas ainda somos indivíduos, tudo que vem do mundo externo precisa ser analisado e digerido como sujeito, afinal você não sabe se a pessoa que está gerando aquele condicionamento foi ensinada do que é certo ou errado, ou se aquela pessoa tem os mesmos gostos e interpretações que você, depois de analisar e ter sua opinião, se você acha que de alguma forma ela pode ser relevante ou construtiva é seu dever jogar no mundo, mas ela realmente é construtiva ou é mais um ataque de ódio ou ego?

O próprio Eminem admitiu que errou ao fazer versos de ódio direcionados a Tyler, The Creator que atingiu a comunidade LGBT. Tyler é um artista do qual ele admira, mas que feriu seus sentimentos ao fazer um comentário negativo sobre “Walk On Water”, primeira música do álbum “Revival” de Eminem, o que causou o famoso efeito borboleta, dentro da teoria do caos.

Acho interessante como ao decorrer da entrevista, eles falaram sobre como o Eminem está confortável na sua situação atual, até perguntam se ele procurou um psicólogo ou algo assim. “Minha música é minha terapia”, ele respondeu. “Quando eu era um garoto, andando na rua em 8 mile, o Hip Hop me empoderou, ele me deu força quando eu achei que eu não tinha, quando eu descobri que podia fazer aqueles versos, eu me tornei grande”.

Hoje as pessoas estão fazendo as coisas pelos motivos errados, fama e dinheiro não é tudo, nem aceitação do coletivo. Ficou tão fácil jogar merda no ventilador com um espécie de controle remoto à distância, que pouco importa o efeito que isso está causando na vida de outras pessoas. Quando você escolhe se expressar, você tem que fazer isso por você, como o Eminem disse se referindo ao fato de que se ele precisasse de um songwriter “Eu jogaria meu microfone fora”. O mesmo deveria ser aplicado no nosso cotidiano, se o que você acha que se expressar nada mais é do que repetir palavras de terceiros sem ao menos serem digeridas antes, please stop!

E isso ocorre desde a classe básica na indústria (fãs? consumidores?) até a classe mais alta, aqueles responsáveis por prêmios e por ditarem as tendências. Ao falar sobre o Grammy, Eminem declarou que não pisa mais os pés na maior premiação de música do mundo. O motivo?

“É como se eles estivessem tão surdos ao que de verdade está acontecendo [muitos artistas mereceram ganhar o prêmio e não ganharam] e não no senso de ‘ah, vamos ter Beyoncé aqui, vamos ter Jay aqui.’ Mas todo ano eles estão em contato com a equipe da Beyoncé, a equipe desses artistas, criando uma caçada em busca do prêmio para fazer eles comparecerem ao evento. Eu garanto isso!”

Mas podemos de fato ter competições dessa forma no que se trata de arte? A arte é algo tão particular, algo individual do sujeito, algo que a pessoa sentiu que precisava expressar ao mundo e a partir do momento que o mundo recebe a arte, a interpretação também passa a ser individual, de cada um, o que faz o sucesso de uma música é o maior número de pessoas que se sensibilizam ou se identificam com aquela situação, mas isso não quer dizer que seja o melhor ou pior. Arte não deveria ser uma ‘caçada de recompensas’, expressão não deveria ter uma ‘receita de sucesso’. Arte é arte, cada pessoa é um ser individual e único.

Perguntado se iria comparecer a próxima premiação, Eminem disse que jamais irá pisar no evento de novo, mesmo se nomeado. “Mas e se você ganhar o álbum do ano?”.

“Primeiro eu não vou ser nomeado porque eles sabem que eu não gosto deles, segundo eu não vou ganhar pelo mesmo motivo.” 

Mas e quem são eles para dizer o que é melhor ou pior? Quem merece destaque e quem deve ser ignorado? Infelizmente não são só as premiações, mas as próprias plataformas de streaming estão ditando isso o tempo todo. Então, meu desafio a você hoje é sair da zona de conforto e procurar conhecer o trabalho de artistas que não estão sendo enfiados goela abaixo pelo sistema, assistir séries e documentários que não sejam de superproduções cinematográficas milionárias caça clique.

Você descobrirá um mundo de possibilidades, além de aumentar seu conhecimento e desenvolvimento como ser humano, poderá desenvolver uma opinião mais consistente e coerente com o seu indivíduo particular sobre qualquer coisa que você decida argumentar ou se impor.

A entrevista completa em inglês pode ser assistida aqui.