5 momentos impactantes de Underplayed

Se você ainda não assistiu o documentário dirigido por Stacey Lee, “Underplayed”, esse artigo pode conter spoilers, não “subestime” o conteúdo do doc e vá logo assistir!

Todos sabemos que a música eletrônica nasceu dos ideais de diversidade, comunidade e inclusão (bora fazer o dever de casa pessoal!); ainda assim, em 2019, apenas 7% dos 100 melhores DJs eram mulheres. Elas representam menos de 3% na área de produção musical e funções técnicas na indústria. Para mulheres de cor então, o índice cai para menos de 0,3%.

Filmado durante a temporada de festivais de verão nos Estados Unidos, Underplayed apresenta um retrato da situação atual das questões de gênero, etnia e igualdade sexual através das lentes de mulheres pioneiras em suas áreas, artistas da próxima geração e líderes da indústria que defendem a mudança do cenário atual, buscando inspirar novos modelos de comportamento para as gerações futuras.

Underplayed apresenta NERVO, Rezz, Alison Wonderland, Tygapaw, TOKiMONSTA com trilha sonora original composta por Kate Simko. O documentário está disponível tanto para assinantes do Amazon Music Unlimited e Amazon Music HD direto no app da Amazon Music, bem como no Amazon Prime Video, sem custo adicional para os membros Prime.

Com uma fotografia impecável, em vez de narração, Stacey Lee apresenta em “Underplayed” cenas reais do cotidiano e da história dessas artistas, resgata as mulheres importantes que contribuiram para a evolução e invenção de equipamentos eletrônicos, além de estatísticas profundamente desanimadoras sobre o quanto as mulheres estão “lucrando” no lado de cá da cultura pop.

Michelle Moog-Koussa, filha de Robert Moog, criador do sintetizador, resgatou momentos da história da concepção do Moog. Inspirado pelo Teremim, um dos primeiros dispositivos eletrônicos, Boob Moog passou a criar os seus próprios dispositivos e quando mostrou a Clara Rockmore, pioneira na música eletrônica e teremim, ela lhe disse que não eram tão bos quanto os teremins de verdade e disse que não queria um. A partir de então, Moog passou a usar Clara como guia para melhorar o circuito, contando com seus feedbacks sempre que necessário.

Mesmo que a história da música eletrônica seja repleta de mulheres que se tornaram pioneiras em suas áreas, ainda hoje a história que se é contada é a da desigualdade entre gêneros na cena eletrônica. Em 2019, os 15 DJs mais bem pagos ganharam US$ 261 milhões e todos eles eram homens. O documentário aponta também que mulheres na indústria são muito mais suscetíveis a sofrerem de ansiedade e depressão do que os homens.

Separamos 5 momentos que mais nos impactaram no documentário (#gatilhos) e vamos citá-los aqui para que fique gravado na nossa memória para lembrarmos de não subestimar a dor e a luta de cada uma de nós mulheres.

#1 Nightwave na sua primeira apresentação do Boiler Room

Nightwave foi convidada a se apresentar no Boiler Room de Paris pela primeira vez em 2016, mas a artista enfrentou problemas técnicos durante a sua apresentação e enquanto estava tentando resolver, claramente nervosa com a situação, alguém na plateia do Boiler Room ainda a apalpou, o que a gente percebe claramente no vídeo no momento em que ela se vira visivelmente incomodada (momento exibido durante o documentário). Não bastasse isso, as pessoas começaram a destilar ódio e mostrar o quanto o ser humano pode ser desprezível.

Comentários como; “de quem ela é namorada?”, “ela deve ter feito um bom boquete em alguém” e “espero que na cama ela seja melhor”, mostram a toxidade presente na nossa cultura extremamente machista e sexista. Mas os comentários não pararam por aí, “ela deveria se matar depois disso” falou outro internauta.

Nightwave voltou a se apresentar depois de 4 anos, mas sua confiança e saúde mental foram afetadas por um bom tempo. Foi depois desse acontecimento que o Boiler Room percebeu a necessidade de moderar os seus comentários e passou a adotar uma política mais restrita a esse tipo de comentário, bloqueando usuários em suas redes.

#2 Alison Wonderland precisou trocar seu engenheiro de som por uma profissional mulher

Alison Wonderland foi a artista com ascensão mais rápida no TOP 100 DJs, os ingressos para o seu show no Red Rocks, uma das casas de shows mais consagradas dos Estados Unidos, esgotou em 5 minutos. O documentário conseguiu demonstrar na prática como nós mulheres somos subestimadas o tempo todo. Alison estava ensaiando com sua banda formada por mulheres para o Red Rocks quando começou a se queixar sobre a sonorização, até que o seu manager e melhor amigo chamou o seu engenheiro de som para verificar o que estava acontecendo e ele, prontamente e “mansamente”, disse que tinha feito tudo que a artista pediu.

Naquele momento, já sabendo do que se tratava, Alison desce do palco e continua a afirmar que estava com problemas, inclusive reclamando como isso estava afetando a sua audição. Todo mundo sabe que a audição de quem trabalha com música é uma das partes mais sensíveis e que precisamos tomar cuidado, já que é justamente o nosso instrumento de trabalho e qualquer ruído na audição é sinônimo de alerta, porque significa que você está machucando o seu ouvido, o que é muito grave.

Resumindo brevemente, o problema só foi resolvido após encontrar um novo profissional, dessa vez uma mulher para trabalhar com Alison, que conseguiu não só corrigir o “problema”, quanto fazer uma entrega melhor de sonorização. Muitas pessoas não aceitam opiniões ou simplesmente não sabem escutar as mulheres nessa indústria simplesmente pelo fato de serem mulheres, e quando falamos isso, muita gente não acredita que isso acontece o tempo todo.

#3 Boiler Room com Sherelle

Já na vez de Sherelle, que viu seu Boiler Room se tornando viral (e que apresentação!), a artista mesmo reconheceu que um dos motivos principais de ela não ter tido tantos comentários de ódio, foi justamente porque muitas pessoas nem perceberam que ela era uma mulher por conta de sua aparência, ela mesmo comparou comentários que Nightwave teve, relacionados por exemplo, ao fato de ela “dançar muito” na sua apresentação, enquanto Sherelle também o fez, e qual o problema?!

Nessa indústria, você ser bonita e sexy muitas vezes é mais visto como uma maldição do que uma benção. Não é à toa que muitas artistas optam por uma imagem mais andrógina, ou seja, com características masculinas e femininas juntas, como Billie Ellish, por exemplo. O fato é, não importa se você é mais sexy ou mais moleca, temos que ter a liberdade de sermos quem realmente somos, não tentar ser algo que os outros esperam que a gente seja.

#4 NERVO e a (des)valorização de artistas mulheres

Em uma das conversas com sua gravadora, as irmãs que formam NERVO queriam saber como elas poderiam ser mais valorizadas como artistas do mundo pop e a resposta foi direta, basta um bom casamento e filhos. A disparidade entre os cachês de homens e mulheres não é um “conto da carochinha”, ela existe e está aí para quem quiser ver. TOKiMONSTA levantou a questão novamente na entrevista no canal da Twitch na premiere do documentário organizada pela Amazon Music; “é preciso questionar, porque artistas com mesmo números de streamings, muitas vezes relevância superior a outros artistas (TOKiMONSTA já foi indicada ao Grammy), ainda recebem menos do que homens na indústria”.

As irmãs do NERVO acabaram casando e as duas tornaram-se mães, mas muitas dúvidas vieram se de fato elas continuariam relevantes mesmo escolhendo pela maternidade, nós mulheres não condenamos a maternidade, essa deve ser uma escolha pessoal de cada uma, o fato de você querer uma coisa não deveria jamais impossibilitar você de ter a outra. Dúvido que Armin Van Buuren, Tiësto ou qualquer outro DJ que é pai ou vai ser, terá essa mesma preocupação de ser aceito ou não por conta disso. Elas também mencionaram que quando uma das irmãs teve que parar com as turnês por um breve período por conta da gravidez e a outra continuou cumprindo a agenda de shows (mesmo grávida!), tiveram casos em que contratantes quiseram pagar metade do cachê, já que apenas uma delas estaria presente.

 

View this post on Instagram

 

A post shared by NERVO (@nervomusic)

#5 Suzanne Ciani foi impedida de participar das aulas do inventor do primeiro instrumento analógico modular, Don Buchla

“Tradicionalmente, as mulheres não tinham uma perspectiva muito otimista na música eletrônica. Haviam vários sinais de que não estava tudo bem. Depois da pós gradução, fio trabalhar para Don Buchla. Ele fez o primeiro instrumento musical analógico modular. Don concordou em bancar uma aula para nós. Depois da segunda aula, Don veio até mim e disse: Decidimos que não vamos ter mulheres nas aulas. Como não levar isso para o pessoal? Sou a única mulher na turma. Era um desconforto social. Eles estavam acostumados a estar entre eles e queriam que ficasse assim”.

Casos como esse não são isolados. “É muito difícil para artistas mulheres contar o que acontece ou até mesmo se abrir sobre sua identidade como mulheres, pois há o medo de ser excluída”.

Eu gostaria de finalizar esse artigo com uma fala muito importante da Louisahhh em que ela diz “O lance da Dance Music é político, se você não fala a verdade aos mais poderosos, talvez você só esteja abusando do privilégio de ter uma voz”, e vou estender essa frase para o Dia da Mulher; temos que parar de nos distrairmos do que realmente importa, transformando um dia tão importante para a história da luta de tantas mulheres que vieram antes de nós, em mais um dia em que o capitalismo tenta corromper o seu significado o transformando em um momento ultra romantizado.

Assista o trailer com legenda alternativa em português no @assimquerola:

 

View this post on Instagram

 

A post shared by Assim Que Rola (@assimquerola)