Como surgiu o House e como essa cena se consolidou

Um dos gêneros musicais mais difundidos no mundo e que se mantém no spotlight da música eletrônica por tanto tempo, o House evoluiu bastante e foi influência para criação de diversas vertentes nas últimas décadas, tomando conta de grandes festivais e clubs. Para entendermos como esse tipo de música chegou a esse patamar precisamos voltar para o final da década de 70 nos Estados Unidos.

O House surgiu por acaso nos clubs undergrounds de Chicago e se tornou um fenômeno musical desde o Rock. Na época, os produtores do estilo não imaginavam que aquele tipo de som iria se espalhar pelo mundo e alcançar tamanho sucesso. Foi o primeiro estilo eletrônico que fez os DJs saltarem de meros artistas locais para o patamar de superstars mundiais. O House não era tratado apenas como um estilo musical, era visto como um estilo de vida que fez a cultura clubber crescer e se espalhar pelo mundo.

No início, o público nos clubs que tocavam o House era composto predominantemente por negros e homossexuais, que são considerados os grandes influenciadores que fizeram a dance music se manter viva ao frequentarem em peso as noites undergrounds.

O House no mainstream

Apesar de o estilo ser muito popular no underground, naquela época era o Rock que dominava a cena musical mainstream. Isso viria começar a mudar com a ajuda do filme Embalos de Sábado à Noite, quando John Travolta,  ajudou o estilo a sair do underground e ganhar as pistas do mundo. As cidades consideradas mais importantes no início desse movimento eram Chicago e Nova York. Em 1978, Michael Brody fundou o que viria a ser um dos mais importantes clubs para a cena House em Nova York, o Paradise Garage. O nome derivava da origem do que era o local, um grande estacionamento. Era a maior pista e tinha o melhor sistema de som da cidade, comportando até 2 mil pessoas. Larry Levan era o DJ residente e era considerado como uma inspiração para todos, quando assumia os decks a pista inteira ia junto com ele até o amanhecer. É inegável que o Paradise Garage estabeleceu tendências e cada vez mais DJs de outros países iam para Nova York para acompanhar de perto esse movimento, como por exemplo, o inglês Paul Oakenfold.

Paradise Garage – Nova York

Movimentos Contrários

18 meses após o lançamento de Embalos de Sábado à Noite, a dance music estava sendo tocada nas grandes rádios e crescendo de forma exponencial nos EUA. Isso viria a ser um grande empecilho para o Rock e levou Steve Dahl, grande personalidade e DJ de rádio americano na época, a incitar protestos contra a cena do House. Um grande ato foi realizado no Comiskey Park, estádio de baseball em que Steve Dahl explodiu discos de dance music no intervalo de um jogo lotado, sendo a maioria dos discos de artistas negros. A maioria dos que protestavam, estava com placas e camisas com dizeres contrários ao House e a dance music e a frase constantemente repetida durante o ato era “Disco Sucks“.

Era consenso entre os frequentadores de clubs que esses protestos não eram contra o estilo de música e sim contra seu público principal: gays e negros. Os protestos surtiram efeito negativo para a cena do House que rapidamente deixou de ser moda nos EUA. As rádios mudaram para o Rock e Pop, as gravadoras fecharam seus selos de Dance music. Foi um grande retrocesso para o estilo, mas a cena continuou no underground.

Protesto no Comiskey Park

Origem do termo “House”

Em Chicago surgiu o The Warehouse, club que tinha como residente Frankie Knuckles. Como residente ele conseguiu desenvolver suas habilidades e o estilo, que caminhava do Disco, Indie, Synth Disco europeu e muitas outras raridades que levaram a etiquetar o estilo como House music. Knuckles é hoje considerado um dos pais do House e era tão popular que o Warehouse, inicialmente um club exclusivo para homossexuais negros, começou a atrair multidões mais heterossexuais e brancas, levando seu dono, Robert Williams, a abrir o club ao público em geral. Era o único lugar da cidade em que se poderia ouvir esse estilo de música.

A loja Imports, em Chicago, era bastante famosa e vendia discos de diversos estilos. Naquela época era difícil procurar música do estilo que estava sendo tocado nos clubs simplesmente por não saber o que procurar. O público chegava na loja e pedia por discos de músicas que tocavam nas noites do Warehouse, pediam por Warehouse music ou simplesmente House music. Com o passar do tempo a própria loja encurtou o nome e criou a seção House music, surgindo assim o nome do estilo.

Com um número bem limitado de músicas produzidas do estilo, os DJs acabavam ficando sem muitas opções do que tocar. Isso foi os fazia ter a criatividade aguçada nos decks, ao fazer performances com criação de mashups e loops ao vivo.

O Surgimento das Drum Machines

Com a cena se desenvolvendo rapidamente, os DJs queriam produzir suas próprias músicas e isso se tornou um status. Com o lançamento da TR-808 pela Roland, os DJs ganharam um poderoso aliado para conseguirem fazer seus próprios sons. A 808 era uma máquina em que se programavam ritmos que surgiu nos anos 80 e virou febre entre os produtores.

A maioria dos DJs não eram músicos, não sabiam tocar instrumentos, mas com os auxílios desses hardwares musicais, aprenderam a programar sequências como ninguém sabia fazer até então e foram inovadores em uma época em que produzir seus próprios sons era considerado especial.

Pouco depois surgiu a TB-303, originalmente projetada para ser vendida para guitarristas para lhes dar um acompanhamento de baixo enquanto praticavam, ideia essa que foi um total fracasso comercial. A Produção da 303 durou apenas 18 meses tendo produzido 20 mil unidades. Em meados dos anos 80 os DJs a descobriram e introduziram no House, porém como tinha uma sonoridade que se diferenciava, surgiu então a vertente Acid House.

TR-808

A Consolidação do House

Em 1985, praticamente qualquer pessoa com uma drum machine em Chicago estava fazendo House e com o estilo dominando cada vez mais a cidade, estava na hora de expandir essa cena. Larry Sherman era dono da única prensadora de discos que tinha em Chicago, e quando a primeira onda do House apareceu, ele lançou o selo Trax. Tinham uma grande habilidade em colocar os discos no mercado em um curto espaço de tempo sem ter que depender de uma major label para fazer isso. Quando ele recebia as músicas, analisava-as rapidamente e se achasse que eram boas fazia o contrato com o artista e prensava os discos fazendo-os circular em uma semana, assim rapidamente a Trax virou o selo dominante no estilo.

Como os DJs queriam ter suas músicas lançadas o mais rápido possível e a Trax conseguia distribuí-las rapidamente, acabavam assinando contratos que poderiam desfavorecê-los financeiramente, pois terminavam passando os direitos da música em totalidade para a gravadora em troca de uma quantia de dinheiro no ato da assinatura, o que muitas vezes não representava o ganho real que aquela música iria gerar para a label.

Em 1986 o House já estava consolidado nos EUA, já tinha sua sonoridade característica, seus produtores se firmando cada vez mais (nacionalmente e internacionalmente) e o principal: um nome. Estava na hora do House ir para outros continentes. Em Londres já estava tocando nas rádios, nos clubs e na visão dos DJs da época era como se fosse Chicago porém em dimensões maiores e em outro continente. Nesse mesmo ano, Marshall Jeferson lançou a sua música Move Your Body, considerado o grande lançamento do house do ano em Chicago, foi essa a música que levou o House para a Inglaterra já em outro patamar.

Em 1987 Frankie Knuckles, Marshall Jefferson, Adonis e Larry Heard fizeram pela primeira vez uma turnê na Inglaterra, pelo selo DJ International. O público já conhecia todas as músicas deles e fizeram grandes filas nos clubs para vê-los ao vivo, foram tratados como superstars pelos ingleses. Essa turnê fez o House criar uma cena ainda mais poderosa por lá, criando um novo estilo de vida, fazendo as pessoas quererem frequentar os clubs para se encontrarem e curtir aquele novo som.

O House gerou diversos subgêneros desde o seu surgimento, fez a música eletrônica aparecer para o mundo inteiro nas suas mais diversas variações e fez a cultura clubber chegar a um patamar nunca antes visto. O House enfrentou diversos obstáculos ideológicos na sua trajetória, preconceitos por ser tocado em locais frequentados em sua maioria por negros e homossexuais, com protestos, proibições, mas no underground nunca deixou de se acreditar na sua continuidade e evolução. Transformou-se num movimento mainstream e fez com que todos se unissem para fazerem parte de algo que estava dominando as pistas do mundo inteiro, independente se eram negros ou brancos, heterossexuais ou homossexuais. Vários clubs, gravadoras e DJs que surgiram naquela época ainda continuam em pleno funcionamento hoje em dia e carregam consigo as histórias marcantes daquela época.

Recomendamos o documentário Pump Up The Volume, que obrigatório para quem gostaria de saber mais sobre o tema: