Entrevista com Borgore

Empoderamento feminino está em alta, de fato! Aqui no blog mesmo eu fiz um post falando sobre a 10ª posição de The Black Madonna no RA em 2016 e como isso refletia na cena. Mas o posicionamento de Titi Muller em rede nacional dividiu opiniões, inclusive a minha. Eu entrevistei o Borgore no Lollapalooza e vou descrever para vocês passo a passo como tudo aconteceu, mas já adianto que não estou aqui para mais manifestações de ataque, apenas vou mostrar o que eu vi, como a entrevista se desenrolou e minha opinião sobre o assunto, o resto é conclusão de cada um.

Eu assisti o show inteiro do Borgore, fiz inúmeros stories no instagram e recebi vários directs e alguns comentários de pessoas frustradas por eu estar ali curtindo o que um seguidor chamou de ‘EDM’ e o outro o ‘dj machista’. Eu sempre acompanhei o trabalho do Borgore, gosto muito da sonoridade dele, do estilo musical e das vertentes nas quais ele atua, pra quem ainda não sabe eu curto muito dubstep, drum n’ bass, bass house, trap, twerk e afins. Tanto que, quando a assessoria do Lollapalooza perguntou quais artistas internacionais eu gostaria de entrevistar, Borgore estava na minha lista e foi engraçado porque uma das pessoas do meu time hesitou argumentando que ele não estava em alta, veja só que irônico, aqui estamos nós em meio a tanta polêmica.

Minha entrevista estava marcada para 17h15, ou seja, seria depois do show do Borgore que terminava 16h45. Como eu queria falar com o Griz também, descemos para o Palco Perry antes do horário, assisti o show inteiro do Borgore na pista com as minhas amigas e assim que terminou corremos para o backstage para pegar a mesma van do Borgore de volta para o camarim, onde ia rolar a entrevista. Eu já conhecia alguns membros da equipe que vieram acompanhando o Borgore, eram os mesmos que acompanharam o Steve Aoki algumas vezes, mas o Borgore não estava com cara de muitos amigos, no final do show agradeci pelo set e informei a ele que faria a entrevista, perguntei se tinha algum problema subirmos na van com ele e ele disse que tudo bem, mas que estava cansado e precisaria de alguns drinks antes.

Chegando nos boxes do Autódromo de Interlagos, onde foi montada as instalações dos camarins, eu percebi que a pauta que o meu time tinha feito e salvo no docs do google havia se perdido. Pensa na correria para refazer a pauta, por ali eu vi uma ou duas pessoas da equipe da Multishow, a equipe de assessoria do evento e o pessoal da Wonderland in Rave, que nos salvaram prontificando-se a passar na nossa frente nos dando mais tempo para refazer a pauta.

Conseguimos remontar 6 perguntas e nos preparamos para entrar, cruzamos com a equipe anterior que saiu com cara de assustados dizendo que ele havia respondido apenas sim ou não para as 7 perguntas deles, já me preparei psicologicamente, fui decidida a conseguir mais do que isso. Entrei, cumprimentei todos da equipe, apresentei o blog e expliquei qual seria o conceito do vídeo que estávamos gravando, disse que seria algo mais do que simplesmente uma entrevista, que nosso objetivo era realmente mostrar a experiência de backstage do festival.

“Ok, então deixe-me mostrar a experiência de backstage. Pronta para a verdadeira experiência?”

Confesso que como acompanho suas atualizações nas redes sociais eu já estava assustada nessa primeira frase, mas sabia que ele ia querer me intimidar e eu não ia deixar isso acontecer.

“Esse é o camarim do Borgore e isso é o que rola no backstage, certo? Segura aí”. Borgore se levantou nesse momento e foi até a mesa no canto esquerdo do camarim. “Você pega um pão, certo? Isso é o que nós fazemos no backstage, certo? Pegue um pão, coloque um pouco disso, um pouco daquilo”, disse ele acrescentando alguns frios ao seu sanduíche… “Nós ficamos loucos, nós gostamos de ficar loucos, você coloca um pouco de mostarda e coloca na sua boca, apenas acabe com isso. Eu sei, nós somos malucos, nós fazemos festa como loucos.”

Esse é aquele momento que você pensa: Ok, definitivamente ele quer me intimidar, mas eu não ia deixar isso acontecer, só me restava entrar na ironia dele. “Eu entendo você, você gastou muito energia lá naquele palco, eu também não sei o quanto você estava viajando, então vá em frente e coma… Agora que você finalizou, podemos começar?”

Ele só revirou os olhos e disse vá em frente e eu fui, sem ligar para a ironia que emanava dos seus olhos e já preparada para o que viria, naquele momento qualquer coisa seria melhor que um sim ou não. Primeira pergunta, aí vai: “Fale sobre o seu som, você já produziu dubstep, trap, big room e vários sons pesados. Atualmente, que tipo de música você está produzindo?”

“Jazz, eu amo Jazz”, fiquei surpresa e perguntei se ele tocava algum tipo de instrumento. “Sim, eu toco piano, bateria, saxofone e baixo.” Uau, eu estava realmente surpresa e interessada. “Caramba inacreditável, sim” e eu fui obrigada a concordar, não é todo dia que um DJ diz estar produzindo um álbum de jazz, não é verdade? Eu estava realmente empolgada e gostaria de mais informações sobre. “Okay, e como é produzir jazz pra você?” eu perguntei, e foi nesse momento que vi seus olhos brilharem de satisfação ao responder: “É realmente muito bom”. Aproveitei e pedi que me mostrasse, disse ele: “Será que devo tocar para você?”, implorei que o fizesse.

“Na verdade eu acabei de finalizar o meu álbum. Esse som se chama ‘It’s complicated’. Você sabe por que? Porque é realmente complicado pra porra. Você sabe por que esse som é complicado?”, respondi que sim e estava falando sério, estou estudando produção e meu professor de harmonia e composição, um espanhol chamado Francisco Velázquez que dá aula na DJ BAN, havia explicado sobre a complexidade do Jazz. “Porque todas as músicas que você escuta são em four-on-the-floor (4/4)”, quase pude ouvir a voz do meu professor parafraseando Borgore e explicando chamada e resposta, forma sincopada, polirritmia e notas com swing. “Essa música está mudando sua métrica a cada 4 compassos. Você conhece outras métricas, além do 4/4?”, respondi que sim e de fato conheço, “Então conte, vai lá. Qual a métrica usada nessa música?”, comecei a rir é claro e fui sincera ao responder, “eu sei a teoria, querer que eu conte qual a métrica que você usou na música, acho que ninguém aqui nessa sala saberia contar”.

“Ok. Na verdade eu fui muito influenciado pela Bossa Nova, de Astrud Gilberto e Carlos Jobim”, fiquei muito feliz por saber disso e disse que era minha vez de mostrar algo, procurei um vídeo do concerto que fui da Jazz Sinfônica, que se propõe a dar um tratamento sinfônico à música popular brasileira, eles unem a orquestra nos moldes eruditos a uma big-band de jazz, produzindo uma sonoridade ímpar.

Em algum momento da conversa e das risadas sobre a verdadeira experiência do backstage, puxei o assunto do instagram, se seria algo montado, já que ele afirmou algo muito mais simples perto do que vemos no seu instagram, com garotas, bundas e peitos.

“Ah, depende, algumas vezes nós realmente fazemos festas pesadas e é muito muito maluco. Nós temos alguns vídeos que nós não colocamos online, porque é pesado demais”, perguntei se poderiam nos mostrar, mas ele disse que não tinham permissão e continuou, “nós filmamos um vídeo de seis garotas tentando engolir uma banana”, falei que tudo bem e que eu não queria ver isso mesmo e ele riu, “são apenas bananas, Jesus!”.

Perguntei se ele gostava do Brasil para dar uma relaxada e ele disse que sim, que ama o Brasil. “Quer dizer, tudo é muito bonito. Eu amo o Brasil, Adriana Lima é a minha favorita e vocês tem picanha”, sugeri que ele provasse uma caipirinha, depois de perceber que os membros da equipe estavam mais familiarizados com o drink do que ele, “é tipo uma versão melhorada do Mojito, mas é com limão e cachaça”, explicou um deles.

Voltei para a pauta que interessava e destaquei que uma das coisas que eu mais gostava nele é que mesmo com suas colaborações com artistas pops, como a Miley Cyrus, ele não perde sua identidade musical. ‘Decisions’ é um ótimo exemplo disso, ainda mais porque marcou uma mudança drástica na carreira da cantora, foi o começo de uma nova etapa, em que ela deixava a Disney e mostrava seu lado selvagem ao mundo.

“Eu te digo o por que, na verdade eu dei a música para a Miley. Eu tentei escrever algumas coisas pra ela e não soou tão, você sabe… Então, ela ouviu ‘Decisions’ e quis essa música. Ela estava realmente querendo algo agressivo.”

Eu estava fascinada com o tanto de informação que eu realmente não esperava vindo do Borgore, começamos a falar da cena no Brasil e sobre o dubstep e o trap, pedi algum nome no qual ele apostaria.

“Honestamente, há uma nova onda de pessoas legais na cena, tem muitos deles por aí. Eu não posso escolher apenas um como próximo super talento, você sabe… Mas, dos mais novos, tem o Getter e eu acredito que esse será o seu ano. Dubstep está muito interessante nesse momento, porque morreu depois do boom do Skrillex e agora está voltando e se reconstruindo. As pessoas chamam isso de diferentes nomes, é interessante.” 

Ao entrar no âmbito dos sons brasileiros, falei que temos muita coisa boa aqui no Brasil, alguns nichos muito específicos, mas que a grande massa estava presa a apenas um estilo de som, que as novas gerações estão cada vez pesquisando menos, assumem tendências, se está na moda ouvir techno, eu ouço techno, mas aí chega no Lollapalooza e não tem quem não dance e curta o set do Borgore.

“Os brasileiros são bons músicos. Foda-se a EDM também. Eu acho EDM estúpido, a palavra é estúpida… Sério, foda-se. Vocês precisam entender isso, okay? Quando eu comecei a ouvir essa porcaria, quando eu tinha 14 anos, eu não pensava em EDM, eu não ia para a escola e dizia ‘ouça EDM’, eu dizia ‘olha, isso é legal’, eu estava explorando coisas novas, eu estava numa onda muito underground quando eu comecei a fazer dubstep, essa porcaria não faz dinheiro, eu apenas fazia dubstep porque eu amava aquilo. E você sabe, em 5 ou 6 anos, se a América não ouvir isso, se a Austrália não gostar disso, se os Europeus não ouvir, eu vou continuar fazendo dubstep porque isso fez meu nome. Então foda-se a EDM, foda-se as tendências e foda-se o que as pessoas pensam, e qualquer pessoa que se junte a essas culturas porque querem fazer dinheiro, se você se juntar a essa porcaria para ser famoso, eu odeio você.”

Pedi que continuasse e falasse o que achou da sua apresentação no Lollapalooza e o que achou da reação do público brasileiro, porque nós estávamos realmente empolgados com o que vimos no Palco Perry.

“Eu vou ser honesto, eu não sabia o que esperar. Eu tinha duas opções, quando eu toco para grandes públicos em festivais que eu não conheço, eu posso ser realmente comercial ou eu posso ir para uma linha mais underground. Eu estava testando ambas, quando eu tocava algo mais pesado o público respondia muito bem e quando eu tocava algo mais comercial eu não tinha a mesma resposta. Eu senti que o público hoje foi inacreditável quando eu estava tocando as coisas que eu realmente queria tocar, eles realmente curtiam, o público ia abaixo e isso me deixou muito feliz, eu não tive que vender minha alma hoje. Hoje foi incrível! Eu toquei no Tomorrowland Brazil uns dois anos atrás e não foi tão bom quanto hoje.”

Alguns dos trechos da entrevista em vídeo vocês podem assistir no #RECAP Assim Que Rola no Lollapalooza 2017. Sobre o machismo e a polêmica toda, levantar uma questão que está em alta daquele jeito para ganhar ibope é fácil, chegar lá e mudar a maneira da outra pessoa pensar com respeito e educação é outra coisa bem diferente. Afinal, qual é o objetivo no final do dia? Mudar a maneira de pensar, correto? Antes de espalhar o ódio, pense que os fins não justificam os meios.

*Atualização: Músicas do álbum mencionadas por Borgore em 2017 e lançadas em 2018.